Um país de velhos

Brasil tem uma população cada vez mais idosa, e deve se preparar para esta realidade

Rafael Serfaty
5 min readJan 13, 2022

Viver mais tempo, normalmente, é uma boa notícia: possibilita aproveitar mais dias junto aos entes queridos. No entanto, isto tem assumido conotações cada vez mais negativas no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, o Brasil, em 2016, tinha a quinta maior população idosa do mundo e, em 2030, o número de idosos ultrapassará o total de crianças entre zero e 14 anos. O aumento da expectativa de vida da população, somado à falta de planejamento, gera impasses de difícil solução. A consequência é o crescimento do número de pessoas em asilos/casas de repouso e a falta de uma poupança para garantir uma boa velhice.

Alguns dados recentes são preocupantes. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2012 e 2017, a população de idosos no país saltou 19,5%, de 25,4 milhões para mais de 30,2 milhões de pessoas. Levantamento recém-concluído pelo Banco Mundial indica que apenas 11% dos brasileiros declaram fazer economia para o futuro, contra uma média global de 21%. Mostra um país pouco preparado para o amanhã.

A assistente social aposentada Paula Freitas* é uma das vítimas desta realidade. Moradora de Copacabana há mais de 40 anos e hoje com dificuldade de locomoção, encontra-se hospedada no Retiro da Judite*, na Zona Sul no Rio de Janeiro, desde junho/21. Paula está distante do filho, que mora em Santa Catarina e optou por deixá-la no Rio. A aposentada reclama da falta de profissionais especializados na instituição, e que o local não é adequado para ela.

— Todas as pessoas aqui são doentes, me sinto muito isolada, não recebo uma visita. Eu estava conversando com uma senhora, aí ela disse ‘me desculpe, mas eu sou surda’, não ouviu nada do que eu falei. Fiz pouquíssimos amigos, a maioria não entende o que digo, tem problema de audição. Prefiro morar em casa própria. Nunca imaginei que fosse terminar a minha vida aqui.

Paula afirma gostar das cuidadoras. Aponta que são bem intencionadas, mas carecem de preparo: são grosseiras, falam alto e têm pouco estudo. De acordo com a aposentada, chegou a ser chamada de “mentirosa” por uma das funcionárias. Porém, o que realmente a incomoda é a ausência de atividades interessantes. Segundo ela, se resume à fisioterapia, e a comunicação é péssima: não avisam quando a atividade se inicia. Paula tampouco gosta de palestras e terapia ocupacional, embora admita que a alimentação seja boa e diversificada. Isolada e sem o que fazer, sente falta da liberdade de outros tempos.

— A exigência na saída aqui é muito burocrática, parece regime militar. Tudo é ordem. Outro dia, então, foi a pior ordem que eu vi. A minha sobrinha chamou uma pessoa para tratar o meu cabelo, aí a mulher pintou, me deu dois banhos. Uma funcionária falou que eu tinha que tomar outro banho, disse que era ordem. Tomei o terceiro banho, pode? Ela não tinha nada que se meter, quem estava cuidando do cabelo era a profissional que veio para isso. A moça disse que nunca mais vinha aqui.

O outro lado

Apesar do cotidiano pouco movimentado, Paula interage constantemente com uma colega de sua velha profissão. A assistente social Luiza Soares*, graduada pela Universidade Veiga de Almeida (UVA), trabalha no Retiro há cinco anos com o objetivo de garantir os direitos dos idosos. Ouve as queixas deles, conversa com os familiares e viabiliza o que for possível dentro da legislação — faz o vínculo com o Ministério Público. Todo dia é uma demanda diferente.

Luiza informa que o Retiro possui atividades de segunda a sábado. De acordo com ela, há um cronograma variado: às segundas, aula de artesanato; às terças, atividades em grupo com uma psicóloga; às quartas, oficina de nutrição; às quintas, fisioterapia; às sextas, musicoterapia; aos sábados, terapia ocupacional. A profissional alega que, antes da pandemia, a instituição era mais aberta, as famílias podiam entrar e almoçar com os idosos, sair e voltar a qualquer hora. Com a presença do vírus, é necessário seguir normas do Ministério Público, como fazer o teste de Covid-19 (PCR) ou quarentena, o que dificulta o vai e vem dos residentes.

As restrições, embora temporárias, contribuem para a resistência às casas de repouso para idosos, já que para muitos representam um lugar de exclusão social, dominação e isolamento. Segundo Luiza, muitos conheciam o ambiente como asilo, o que remete à ideia de deixar o idoso abandonado e mal tratado. Com o passar dos anos, percebeu-se a necessidade do local para algumas famílias. A legislação tornou-se mais sólida, de modo a garantir um bom serviço das instituições. Há um esforço para desmistificar o tabu.

— Quando as famílias chegam aqui no serviço social, tem gente que chora, que diz que não queria, mas é necessário. A gente sempre tenta dizer para a família ‘olha, só você sabe o que passa, a gente compreende’. Às vezes é uma família que tem dificuldade de relacionamento com esse idoso, ou é uma filha única que não consegue dar esse cuidado porque precisa trabalhar. Tentamos desmistificar, apresentando a equipe, conversando com a assistente social, com a psicóloga, e a gente fala ‘realmente lá atrás era visto dessa forma, hoje não mais’. Cada um no seu tempo, ouvindo todas as partes.

Luiza afirma que o melhor lugar para o idoso sempre é a sua casa, mas muitas vezes não há outra alternativa. Nem os lúcidos escapam, tanto que eventualmente parte deles mesmos se deslocar para uma instituição. Segundo a profissional, há idosos que acham o local vantajoso por a comida já estar pronta, ter atividades disponíveis, roupa lavada, etc. O importante é, independente do caso, ter contato frequente com eles e com a família para fornecer o que for preciso. Mais do que isso: é essencial que a família visite os residentes.

— O vínculo com a família que dá suporte emocional para o idoso. Se não pode vir faz uma ligação de vídeo, uma ligação telefônica, mas de preferência sempre estando perto desse idoso. A pandemia foi cruel nesse sentido. Hoje a gente está conseguindo fazer as visitas de segunda a segunda, mas dentro de uma norma que o Ministério Público passou.

Em meio ao fantasma do abandono familiar, uma coisa é certa: daqui a algumas décadas, a demanda por locais especializados em idosos deve aumentar. Isso significa redução da força produtiva e elevação dos custos assistenciais. Para Luiza, o governo deveria atentar para esta questão, enquanto as pessoas se preparam para o envelhecimento com antecedência.

— O livro ‘Pra vida toda valer a pena viver’, da Dra. Ana Claudia Quintana, te orienta a envelhecer saudavelmente. A autora diz que a certeza é que a gente vai morrer em algum momento, só não sabemos quando. Nessa correria de ter que trabalhar, ter isso e aquilo, você esquece de viver de fato, trabalha para possuir coisas. Por que a gente não consegue viver o agora de qualidade?

*Os nomes desta matéria são fictícios, para preservar a identidade dos entrevistados e da instituição.

Texto de 06/12/2021

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