Cinelândia: a Broadway brasileira

Rafael Serfaty
3 min readJan 13, 2022

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Praça Floriano nos anos 20 | Crédito: Blog do Eliomar Coelho

Popularmente conhecida como Cinelândia, a Praça Floriano é um dos pontos mais charmosos do Rio de Janeiro. Localiza-se no centro da cidade, numa área que engloba desde a Avenida Rio Branco até a Rua Senador Dantas, e da Evaristo da Veiga até a Praça Mahatma Gandhi, onde outrora ficava o Palácio Monroe. É o espaço com o maior número de instituições culturais do Rio, referência em matéria de diversão popular. Entretanto, foram nos anos 1920 que a região, de fato, começou a se tornar o que é hoje.

Segundo a arquiteta Taisa Carvalho, autora do livro Cinelândia — Memória, Identidade, Patrimônio, os cinematógrafos tornaram-se a mania da população carioca no começo do século XX. As salas de cinema se multiplicavam pela cidade, chegando à Zona Sul e aos subúrbios. O público, antes constituído pela classe operária, passava a ser mais seletivo de acordo com a categoria de cinema, que ganhou a entrada de filmes sonoros na década de 20. Conforme a sétima arte evoluía, foram exigidas melhores instalações para abrigar as novas tecnologias.

Em 1917, o terreno do antigo Convento da Ajuda foi comprado pela Companhia Brasil Cinematográfica, fundada por Francisco Serrador. Para Taisa, o objetivo do empreendedor era instalar neste terreno o maior centro de diversões da América do Sul, intitulado “Quarteirão Serrador”. O projeto não foi todo implantado, mas foram construídos quase simultaneamente quatro cines-teatro — Odeon, Capitólio, Império e Glória –, além de edifícios de escritórios, um hotel e pequenas lojas ao redor dos cinemas. A autora afirma que a edificação dos novos cines-teatro foi o principal objetivo de Serrador: investiu na construção de prédios grandes, luxuosos, e na importação dos melhores filmes.

O projeto foi concluído em 1925 e, de acordo com Taisa, representou a consolidação desse tipo de entretenimento na Praça Floriano, que rapidamente passou a ser chamada de Cinelândia. Além dos espaços confortáveis e seguros para o lazer, se firmava a indústria cinematográfica, que passou a representar uma fonte de investimentos. Segundo a arquiteta, os cinemas da Cinelândia introduziram o padrão norte-americano, com salas grandiosas e luxuosas — as melhores da cidade na época. Não ficou conhecida como a Broadway brasileira por acaso.

Um espaço elitizado

De acordo com a jornalista Talitha Ferraz, professora na ESPM Rio e do Programa de Pós-Graduação em Cinema e Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (PPGCine-UFF), Serrador queria a Cinelândia como um lugar para fazer um “programa completo”. A ideia do empresário é que lá fosse possível tomar um café, ir ao cinema, ir ao ringue de patinação, jantar e assim por diante. O problema é que, segundo Talitha, o projeto se revelou grande demais para a cidade.

– Não é de se estranhar que esses espaços não tiveram um consumo em grande escala. A população do Rio de Janeiro naquela época não era tão grande, e boa parte dela era uma população pobre, de escravos recém-libertos. O projeto da Cinelândia foi megalomaníaco. Ele seria ótimo em uma cidade urbanizada há mais tempo, com mais público para aquele complexo de lazer e compras que o Serrador estava projetando. Foi muita aposta para pouco retorno, a cidade não acompanhava esse tipo de estrutura.

Talitha afirma que a Cinelândia, na prática, era um lazer burguês. Embora o trabalhador pudesse ir ao cinema, ainda havia muita herança do período colonial. Para a professora, a Cinelândia não era um lugar democrático, até por ser um espaço de sofisticação. Ir ao cinema era um evento. Mas segundo Talitha, curiosamente, o legado cinematográfico da praça não se perpetua. O período de ouro é muito curto: começa na década de 20, vai de fato até os anos 40, e na década de 60 as coisas já não estão bem.

– A Praça Floriano Peixoto, antes dos cinemas, foi o berço do Teatro Municipal, da Câmara dos Vereadores, da Biblioteca Nacional. Então a gente tem esses espaços que também conferiram ao longo do tempo uma importância para a Cinelândia, em termos de ponto focal onde as coisas acontecem. A Cinelândia que recebeu e ainda recebe muitas manifestações políticas. É claro que o cinema configura o imaginário sobre aquele espaço, mas talvez esse legado seja mais simbólico do que cinematográfico. Desaparecem os cinemas e o Odeon é o único que está ali sendo mais ou menos mantido. Outras atividades vão ser muito importantes, e essas continuam.

Texto de 06/10/2021

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